Jantar

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Brian era mesmo um cara diferente. Nos conhecemos por acaso na cadeia, em um dia que eu fui levar a comida para os prisioneiros. Não era a minha função, mas até os funcionários base precisam de folga de vez em quando. Ele estava lá, isolado dentro da cela. Os outros três presos que estavam com ele não se atreviam a chegar perto. Entreguei a marmita a eles e depois chamei Brian para pegar o dele. Os outros me disseram que não adiantava chamar, pois ele sempre ficava ali deitado, e não obedecia a ordens, por mais simples que fossem. Incrivelmente ele veio, pegou a marmita de minhas mãos e ficou me olhando com aqueles grandes olhos azuis. Fiquei um pouco incomodada, mas tentei não demonstrar, afinal, tudo o que um bandido quer é intimidar uma autoridade. Ele voltou para seu canto com a comida, e eu segui o meu caminho.

Depois, voltando para a sala dos guardas, fiquei sabendo que deveria ter seguido o conselho dos outros presos e deixado a comida no chão para ele pegar e que foi um milagre ele não ter feito nada. Até então, não sabia porque Brian havia sido preso. Além de torturas, comprovadas que levaram a sua detenção, ele também foi acusado de homicídio e canibalismo com o corpo de uma vítima, porém para esta acusação não havia provas. Ainda assim, a conversa ganhou força depois dele tentar matar um “colega” de cela que o agrediu. Os outros presos contaram e as imagens das câmeras confirmaram que durante o banho de sol, Brian deu uma chave de braço no preso que o agrediu que era ligeiramente maior que ele, o derrubou no chão e mordeu o seu rosto, tão forte que foi capaz de arrancar uma parte da pele e da carne. Ele mastigou o pedaço que arrancou e antes que pudesse mordê-lo de novo, agora no pescoço, foi acertado com cassetete no pescoço por um policial. Ambos foram levados para o hospital. O “colega” aterrorizado foi para outra cela com uma cicatriz horrível no rosto e Brian voltou para sua cela normal, para a infelicidade dos outros presos.

Alguns dias depois, fui levar comida novamente e antes que eu pedisse, ele mesmo se aproximou da grade. Novamente lhe dei a comida e ele com seus grandes olhos, como se enxergasse a minha alma, tocou a minha mão ao pegar a comida, acariciando-a. Fingi novamente que aquilo não havia me afetado e continuei meu trabalho. Aquela atitude estava me incomodando, porém, talvez ele só estivesse me cantando de forma barata, achando que conseguiria alguma coisa. Tentei evitar fazer as entregas, porém me chamaram novamente na semana seguinte. Quando me aproximei, ele veio com um sorriso no rosto. Desta vez, puxou assunto, perguntando meu nome. Então eu lhe disse que isso não lhe interessava e que ele deveria pegar a comida logo.

– Mas é claro que me interessa! – Ele disse animado. – Preciso saber o nome da dama que eu vou convidar para jantar quando sair daqui.

– Não perca tempo fazendo convites para alguém que não vai a lugar nenhum com você. – Eu respondi, da forma mais seca possível.

– Claro, claro. – Ele disse pegando a marmita de minhas mãos e acariciando-as novamente. – Será as 7h da noite em minha própria casa, ficarei ansioso para ter a sua presença. – Ele disse olhando em meus olhos, sorrindo.

Não respondi. Recolhi minhas mãos rapidamente e continuei meu caminho.

No fim daquele mês, o advogado dele foi muitas vezes a delegacia com vários documentos. Àquela altura eu já tinha ouvido histórias demais para entender que ele era um louco psicopata, que todos deveriam manter distância. Ainda assim, ele conseguiu uma liminar para responder pelo seu crime em liberdade, e quando fiquei sabendo que seria o seu dia de saída, fiz questão de fazer uma patrulha pelo bairro, só para não ter que encaras suas piadas e seus convites inconvenientes.

Voltei à noite para a delegacia, onde peguei minhas coisas para ir para casa. Quando sai, um taxi apareceu e eu entrei, dizendo para qual endereço devia ir. Fiquei perdida em pensamentos, sobre onde Brian estaria e o que faria agora em liberdade. Se aquela história de que ele bebia sangue e comia carne humana era realmente verdade e se as investidas dele para mim tinham alguma intenção, ainda mais relacionada a essa bizarrice. Só percebi que o taxista havia ido por outro caminho totalmente diferente quando chegamos a um bairro mais rico, cheio de condomínios e casas enormes.

– Eu não mandei ir por aqui. – Falei séria. Eu já não estava fardada, mas uma policial nunca perde a sua pose.

Ele me ignorou e continuou seu caminho. Usava óculos escuros e um terno. Um leve terror me tomou o corpo, me arrepiando a espinha. Olhei para as portas, na esperança de pular para fora do carro na primeira oportunidade. Assim como nossas viaturas, não havia trincos por dentro. Reclamei novamente, e novamente fui ignorada.

A essa hora eu já procurava minha arma em minha bolsa, disfarçadamente, me preparando para quando o carro parasse. Enfim parou, em uma casa enorme. O motorista saiu e abriu a porta para mim. Desci do carro cautelosa, ainda sem entender direito o que estava acontecendo, porém em minha mente só me vinha o nome de um autor possível para aquela palhaçada.

– Brian! – Eu disse surpresa ao vê-lo vindo em minha direção.

– Olá minha bela! Fico feliz que tenha aceitado o convite. Está na hora certa, 7h. – Ele disse, segurando minha mão.

Olhei para o relógio, realmente eram 7h. Ele me puxou pela mão, mas eu não andei, então ele se aproximou para me puxar novamente.

– Ora, vamos minha linda. Não há problema nenhum. É só um jantar inocente. – Ele dizia com uma voz suave no rosto.

Resolvi o seguir. Enquanto isso procurava em minha bolsa o celular para ligar para a polícia e avisar do meu sequestro, mas ele não estava lá. Ao me ver mexendo em minha bolsa, ele me perguntou se havia algo errado. Quando olhei para seu rosto, havia um sorriso sarcástico.

– Cadê o meu celular?

– Ora minha linda, você não vai precisar dele, afinal é uma falta de educação extrema mexer no celular durante o jantar. Agora deixe sua bolsa aqui. – Ele disse enquanto pegava minha bolsa. Ele a pendurou em um gancho perto da porta. – E venha por aqui. – Ele terminou, colocando a mão em minha cintura.

– Me largue! – Eu disse me esquivando dele. – Eu não aceitei o seu convite em momento algum. Eu vou embora imediatamente e você não pode me prender aqui. – Falei furiosa, seguindo em direção da porta. Ele não fez nada, a não ser ficar parado. Quando cheguei a porta, ela estava trancada. – Abre isso! – Eu gritei.

– Não dá amor. – Ele disse gentilmente. – Está trancada por fora, para que ninguém atrapalhe nosso jantar. Agora vamos logo, afinal, já que você está se sentindo tão indisposta assim, quanto mais rápido comermos, mais rápido você pode ir embora. – Ele abriu um sorriso, segurando minha mão e levando-me para a sala de jantar.

A casa era enorme. Uma verdadeira mansão. Talvez aquilo explicasse porque ele conseguiu responder um crime de tortura em liberdade. Era claro que ele queria jogar e tinha todas as regras ao seu favor.

Sentei a mesa, enorme, na lateral e ele sentou ao meu lado, na ponta da mesa. Então ele balançou um sininho que tinha ao seu lado e logo entraram algumas pessoas com bandejas. Serviram também um vinho. No prato, haviam alguns pedaços de carne, com um pouco de purê e umas folhas verdes. Algo bem gourmet. Ele, assim que foi servido, começou a comer, se deliciando de cada pedaço. Eu só conseguia lembrar dos comentários sobre canibalismo e sentir nojo daquela situação. Então, ele ao perceber que não havia tocado na comida, me perguntou com uma voz gentil se estava tudo bem.

– O que é isso? – Eu disse apontando para o prato.

– Ah, isso é Carre d´agnello con fegato grasso e salsa alla menta.

– O quê? – Eu perguntei.

– Ah sim, é fígado de ganso, no estilo fois gras, com ossos e caldo de carneiro, e com purê, folhas de hortelã e aspargo. Uma delícia, pode comer.

– Isso está com uma cara estranha…. Você não come carne humana? – Perguntei sem pensar.

Ele se engasgou. Tomou o vinho, respirou fundo e me olhou um pouco assustado.

– E porque eu comeria carne humana? Quem faz uma atrocidade dessas?

– Eu…. Seu episódio na cadeia. E antes disso houve a acusação de canibalismo….

– Essa acusação não passa de uma mentira deslavada. Sobre o episódio, eu só tive um leve surto psicológico que foi devidamente tratado. Eu passei muito mal naquele dia depois de ingerir aquilo. Mas…. Você achou mesmo que eu era um monstro desse tipo? Que ia te trazer aqui para fazer você comer carne humana?

Ele parecia profundamente ofendido. Como se só me trazer para um jantar contra a minha vontade não fosse motivo suficiente para eu lhe achar um monstro, eu ainda estava acrescentando a carga de canibalismo ao seu currículo. De qualquer forma, eu ainda não estava confiante nas palavras dele. Cheirei o vinho. Era vinho mesmo, então tomei um gole.

Ele percebendo que eu estava levemente mais relaxada, continuou comendo. Eu queria ir embora, estava me sentindo mal ao lado dele. Era loucura demais para um dia só e eu não podia simplesmente aceitar aquilo de bom grado, só para que ele me soltasse, afinal eu era uma policial.

Me levantei subitamente, e corri para onde minha bolsa estava na entrada. Ele veio atrás de mim, andando depressa. Quando ele se aproximou, apontei a arma para ele que levantou as mãos.

– Calma minha linda, não há a menor necessidade disso. – Ele dizia ainda com a voz gentil.

– Eu quero ir embora. AGORA! – Eu gritei. Aos poucos eu perdia a calma e a paciência também. Então um dos mordomos dele se aproximo com uma badeja tampada. Quando abriu a bandeja, haviam várias balas de revólver.

– Você…

– Minha linda, eu não podia arriscar…. – Ele disse, abaixando as mãos. – Eu fiquei tempo demais na cadeia para que meus empregados pudessem olhar tudo e saber tudo. Antes de você chegar, pedi para esvaziarem seu revólver, assim não teríamos problema quando você chegasse aqui. Vamos voltar para a mesa, sim?

– Você esvaziou meu revólver na delegacia? – Perguntei cautelosa.

Ele confirmou com a cabeça que sim, se aproximando. Então, em um minuto de coragem insana, mirei em sua cabeça e atirei. Ele caiu no chão sangrando com parte do rosto desfigurado. O plano dele estava muito bem montado, se não fosse pelo fato de eu ter dois revólveres e colocar na bolsa sempre o que eu andei com ele durante o dia e não o que está no armário. Os mordomos e outros empregados correram para se esconder em outros cômodos, porém a porta principal ainda continuava trancada. Quando mirei com a arma no trinco para abri-la, ouvi uma risada insana, que me gelou o corpo novamente. Quando me virei o horror tomou conta de mim, ele estava ali, de pé, ensanguentado, com o rosto deformado, porém, que pouco a pouco ia voltando ao normal.

Rindo, ele disse:

– Sabe o que é incrível? É que você realmente atirou. Você realmente é uma mulher incrível. Eu estava certo quando te escolhi. – Com um sorriso medonho, ele ia se aproximando, enquanto passava a mão em sua roupa.

– Vo….. Você…. Eu…. Eu te matei…. – Eu fiquei incrédula.

– Não amor, eu não posso morrer. – Ele disse, agora com o rosto quase todo recuperado.

Eu disparei novamente. Agora os tiros não tinham mira certa. Acertei o ombro, a barriga, a perna. Todos abriam furos profundos, fazendo o sangue correr, porém ele não parava e logo era possível ver que a pele havia fechado o ferimento. Ele então, tomou a arma da minha mão, jogando para a longe. Me deu um tapa no rosto que me fez cair no chão, próximo de seu sangue no chão.

– O que você é? O demônio? – Perguntei em desespero. Ele se abaixou para ficar perto do meu rosto. Me segurou e me deu um beijo intenso.

Depois, olhou em meus olhos da mesma forma intensa que me olhava na cadeira e disse em meu ouvido:

 – Não. Mas sou quase. – E então, abriu a boca e cravou seus dentes em meu pescoço.

Senti meu corpo desfalecer e eu perder todas as minhas forças. Achei que eu ia morrer, porém acordei algumas horas depois, em uma cama enorme e ele ao meu lado segurando minha mão. Havia um espelho no teto do quarto e enquanto minha visão turva começava a voltar ao normal, ele me disse, me olhando com seus grandes olhos azuis:

– E então meu amor, como se sente?

Eu não sabia dizer, mas sentia fraca, e quando olhei para cima com mais atenção percebi com um certo horror que não havia reflexo, nem dele e nem meu.

juhliana_lopes 30-12-2016